“CARTA DE MAREAR” E “LAMENTAÇÃO”
DE FREI ANTÔNIO DO ROSÁRIO
“As AVES, diz Santo Agostinho, proferem vozes que parecem humanas”.
Umas aprendem a falar; outras, sem as ensinarem, falam, como são os pássaros que nesta terra [de Ipojuca] cantam, dizendo clara e distintamente:
- Bem-te-vi! Bem-te-vi!
Outros dizem:
-Já é dia! Já é dia!
E outros:
- Triste dia! Triste Dia!
Mas de todas as aves músicas que voam e cantam por este emisfério, o Sabiá da Praia é o Mestre da Capela pelo muito que arremeda o Melro e Rouxinol de Portugal.
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Mas o Sabiá da Praia, como anacoreta ou eremita mais retirado do mundo, nas solidões e desamparo das praias, nas inclemências e rigores do tempo, passa a vida cantando e chorando.
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Se a nossa alma, diz o mesmo David, é como pássaro tirado do laço; se arrependida e agradecida quiser cantar, ou para melhor dizer, chorar, suspirar e lamentar (que é para Deus o melhor cantar), faça-se Sabiá da Praia. No suave e enternecido canto desta retirada Ave, lamente, chore, clame à Divina Misericórdia, que gosta muito dessa música.
E se o Seráfico São Boaventura Doutor faz da alma devota filomela, um Sabiá da Praia, que é o rouxinol do Brasil, por que não fará a figura de uma alma penitente, por nos não tirarmos de Ave?
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Eu me contentara já que meus olhos fossem rios, mas daqueles que levantam vozes a Deus em favor dos pecadores. Estes rios, pelo que devo e espero da Virgem do Rosário, que hão de entrar e sair por aquele mar que se compõem de quinze mistérios, como de quinze rios.
Por isto convocarei Quinze Rios dos mais celebrados na terra em que habito [Pernambuco], para que, saindo pelos meus olhos, façam um mar que possa desfazer os altíssimos muros de areias e pecados, que são mais que as areias do mar.
Não pago com chorar sobre os rios da terra; é-me necessário chorar os rios da terra em lágrimas:
BEBERIBE.
CAPIBARIBE.
AFOGADOS.
JANGADA.
ALGODOAIS.
POIUCA.
SERINHAÉM.
RIO FERMOSO.
UNA.
TATUAMUNHA.
CAMARAJIBE.
S. ANTÔNIO GRANDE.
S. ANTÔNIO MIRIM.
RIO DE S. MIGUEL.
RIO DE S. FRANCISCO.
RIO TATUAMUNHA - Santuário do peixe- boi.
Encontro com o mar em Porto de Pedras / AL
Rios sagrados, Rios misteriosos, por me representares os Quinze Rios do Mar do Rosário. Rios da terra que o Céu ameaça com os ais do Apocalipse. Rios fermosos, Rios caudalosos, correi, correi pelos meus olhos. O vosso correr seja o meu chorar. O vosso murmurar, o meu gemer e suspirtar.
Correi pelos meus olhos para o Mar do Rosário!
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Aplaquem-se os raios do Céu com as contrições da terra!
Se Ezequiel vos não pode obrigar a desistir do castigo das Relíquias de Israel, Joel vos obrigará a que perdoeis o povo de Pernambuco, só por uma razão: porque é vosso povo. Pedoai ao vosso povo!”
O CONVENTO SANTO ANTÔNIO DE IPOJUCA
ACOLHEU FREI ANTÔNIO DO ROSÁRIO
AJUDANDO A ENTENDER
Maria do Carmo Tavares de Miranda tem alguma coisa a nos comunicar para melhor aproveitarmos os excertos que transcrevemos de Frei Antônio do Rosário, concebidos na solidão sonora do Convento de Ipojuca, próximo às matas e ao mar.
“Cremos que nada fala melhor sobre o Franciscanismo e seu amor efetivo a Deus, e, em Deus, à terra e ao povo...
É a Lamentação de um Cristão, arrependido no suave canto do Sabiá da praia, rouxinol ou melro do Brasil.
Esta Lamentação é o terceiro ensaio da obra Carta de Marear da autoria de frei Antônio do Rosário, composto à sobra do Convento de Ipojuca, e publicado em Lisboa em 1698.
Se a Carta de Marear diz o viver do homem cristão, como o do homem do mar, viandante e em perigos, atento e precavido para todos os embates com que se defronta, e é apenas uma cartilha de oração mental, a Lamentação é o murmúrio do frade, em encantos pela terra, deslumbrado por ela e amante a chorar e gemer com o irmão Sabiá a tomar sobre si as culpas e pecados do povo, doando-se a Deus, clamando Seu Amor, ele que terreno, é desta terra e deste povo, e eles são de Deus. E a Virgem Mãe de Misericórdia é a advogada”.
IPOJUCA - CLAUSTRO COM PARREIRA
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
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