sábado, 5 de setembro de 2009

APÓLOGO DO PANFLETO E DO MISSAL
O Apólogo foi encontrado entre os papéis de um Cura de aldeia. Na sobrecapa, ele escrevera a lápis: “NOS BASTIDORES DA LITURGIA”. Não sei se vocês o conhecem. Mesmo que o conheçam com um daqueles títulos, ou com os dois, talvez valha a pena ouvi-lo de novo.

- Bom dia, irmão, foi logo dizendo o Panfleto quando o sacristão o colocou entre as páginas do Missal, onde devia aguardar a chegada do sacerdote.
- A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco! - retribuiu o Missal.
- Panfleto: Perdoa, irmão, isto é uma saudação ou estás querendo me gozar? Nem sequer me olhaste, parece que falaste sem pensar.
- Missal: Para ser sincero, não gosto destes teus modos. Devias conhecer o teu lugar. Lugar de Folhetim é na mão do povo.
- Panfleto: Sem dúvida, mas estou a serviço do altar. Estamos aqui para servir.
- Missal: Isso é o que pensas. Na realidade, não passas de um simples pedaço de papel e queres ensinar a mim que sou Livro Sagrado.
- Panfleto: Alto lá! Não queiras ir tão longe. Livro Sagrado é a Bíblia. A não ser que queiras tomar o seu lugar...
- Missal: Estás roubando a minha concentração... É preciso que nos preparemos para a Eucaristia.
- Panfleto: Desculpa. Mas eu vim aqui com as melhores intenções.
- Missal: “Vade retro!” O caminho do inferno é calçado de boas intenções.
- Panfleto: Não precisas gastar o teu latim. Aliás, é bem pouco o que deixaram em ti destas relíquias do passado. Somente o Padre te entende, e olha lá... Por isso mesmo é que vou me popularizando cada vez mais.
- Missal: Demagogia! Demagogia! Não é com Panfletos, folhetos e boletins que se educa liturgicamente uma comunidade. Devias compreender uma vez por todas que não passas de um subsídio perfeitamente dispensável.
- Panfleto: É uma questão de formação. Vê-se que não estás acompanhando o tempo nem o que pensa a CNBB.
- Missal: Até desconfio que estás fazendo o povo se acomodar e matando sua criatividade. Falaste na Bíblia... Tu és quem está querendo tomar o seu lugar. Desde que te inventaram, com muita facilidade os leitores dispensam a Bíblia e mesmo o Lecionário, proclamando a Palavra por um taco de papel. Até Padres conheço que me encostam na Eucaristia e rezam tudo pelo panfleto, ou por uma edição mais vistosa dele a que dão o pomposo nome de “Liturgia Diária”. Tem jeito isso? A CNBB aprova uma despropósito desse?
- Panfleto: Já falaste demais. Agora é a minha vez. Não confundas alho com bugalho. Não temos culpa de sermos mais práticos, mais versáteis. Aliás, não somos culpados pelo mau uso que fazem de nós. Muita coisa vai por conta da situação econômica por que passa o país. Com alguns cruzados todos têm acesso a mim. Mas para te adquirirem, mesmo em edições dominicais, já terão que gastar algumas dúzias de suados portináris...
- Missal: Acho que devias medir as palavras. Com ironia não se dialoga.
- Panfleto: Vejo que queres voltar ao tempo em que andavas todo atacado, e cheio de “vade-mecum”. Gostaste do Latim? Ainda bem que te libertaram de tantas fitas e assessórios e te tornaste mais simpático. Devias ser grato aos novos tempos e não querer bancar o “non plus ultra”. Que tal o meu Latim?
- Missal: És mesmo um jornaleco atrevido. Bem feito quando serves de abano ou de leque nas igrejas mal ventiladas ou quando as crianças do catecismo te convertem em aviãozinho... Se é que não te dão um destino pior...
- Panfleto: Eu também já te vi servindo de mealheiro às espórtulas de missa e de esconderijo para os óculos e até para o tabaqueiro de alguns vigários...
- Missal: Cala essa boca! Bem se vê que estás muito atento ao que se passa no altar.
- Panfleto: Mas não precisas me estrangular com estas fitas pernósticas com que te enfeitas. Vivo imprensado entre as tuas folhas e te apoquentas porque nem sabes onde estou.
- Missal: É que poucas vezes preciso de ti, para não dizer que nunca. Estás cheio de coisas que nada têm a ver com Liturgia. Andas sempre incursionando por terreno alheio...
- Panfleto: Já sei aonde queres chegar. Como és malicioso! Devias ser agradecido a mim por te tornar um pouco mais próximo do povão, de sua vida, de suas dores, de suas alegrias e aspirações. Poderíamos prestar um bom serviço a Deus e ao próximo se nos uníssemos, sem preconceitos e discriminações.
***
A conversa ia nesta altura, quando foi entoado o Cântico de Entrada. Por sinal, aconteceu o inesperado: a equipe litúrgica entrou sem o Padre. E o Comentarista explicava: ele fora chamado às pressas para um doente em estado grave e ainda não voltara.
A comunidade realizou, a seu modo, a Celebração sem o Padre.
Mais uma vez, dispensaram o Missal e o Panfleto.
E o canto prosseguiu acompanhado de instrumentos de corda e percussão:
‘ “Seu nome é Jesus Cristo e passa fome...
Entre nós está
E não o conhecemos...
Entre nós está
E nós o desprezamos....”

Olinda, 20-o8-1989.
Frei José Milton, OFM









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