O PRIMADO ABSOLUTO DE CRISTO
São Francisco empregava as palavras “fraternidade” e “irmão” num sentido bastante original, como observa o franciscano Eric Doyle em sua obra Francisco de Assis e o Cântico da Fraternidade Universal (Edições Paulinas , São Paulo, 1985).
É que S. Francisco tinha muito presente em seu espírito e coração, o mistério da Encarnação do Filho de Deus.
Escreve Doyle:
“Francisco de Assis não foi teólogo. Contudo, é responsável por uma doutrina teológica sobre a razão da encarnação do Filho de Deus, razão que, desde o tempo de Duns Escoto, leva a característica da teologia franciscana.” Acha Eric Doyole “que a formulação dessa doutrina no início d século XIV é o resultado lógico da mística totalmente cristocêntrica de São Francisco”.
Para ele, as palavras de S. Franciaco na Admoestação nº 6, onde afirma explicitamente que o corpo humano foi criado e formado segundo a imagem do Filho Jesus, são, “claramente, uma formulação embrional da razão da encarnação, expressa teologicamente como o primado incondicional de Cristo” (obra citada, p. 79).
Santo Antônio, São Boaventura e Duns Escoto deram expressão teológica ao ensinamento de S. Francisco.
Em termos simplificados, podemos resumir assim essa doutrina:
- Em termos negativos, se recusa a aceitar que o pecado possa explicar suficientemente a razão da encarnação no Filho de Deus.
- Em termos positivos, ensina que a razão da encarnação é primordialmente a livre decisão de Deus, desde toda a eternidade, de amar a si mesmo em outros fora de si e ser louvado e amado de modo perfeito por um outro fora de Deus.
“Por isso Deus prevê a união entre o Verbo e a Criatura Cristo que lhe deve supremo amor, mesmo que jamais tivesse havido a queda” (ob. cit. p. 80).
“Só em último lugar [Duns Escoto] vê o Cristo como Mediador vindo para sofrer e redimir o seu povo por causa do pecado [...]. Não se trata de negar o valor redentor dos sofrimentos de Cristo. Trata-se de inverter a ordem das prioridades. A encarnação do Filho de Deus, como centro orgânico e propósito final da criação, não teria sido menos necessária em termos do amor de Deus (que se explica por si mesmo), se jamais tivesse existido o pecado. Por toda a eternidade, é vontade amorosa de Deus unir em Cristo toda a criação. O mal nem causou nem deu ocasião para essa vontade amorosa” (ob. Cit. pg. 80).
Assim podemos entender porque Francisco se sentia irmanado não só a todos os homens, mas a toda e qualquer criatura. É porque ele sentiu no momento de sua conversão o elo que o unia a Jesus Cristo como seu irmão. Para Francisco Cristo era seu irmão, era um frade ou frei, lembra Eric Douyle. E cita a Carta aos Fiéis: “Quão santo[...] é ter um irmão como esse” , inspirado em Mt 12, 50 (vide: Escritos, Vozes, 1981, pg. . 20).
Francisco recupera para a Igreja o Jesus Cristo do Evangelho, o Deus-Conosco, o Emanuel. E nele a razão mais profunda da fraternidade entre os homens e entre estes e as demais criaturas, vistas agora não mais como objetos do domínio do homem sobre elas, mas como irmãos e irmãs por causa de Cristo, Primogênito de todas as criaturas.
Precisamos de regatar para nós mesmos, irmãos de Francisco, o pensamento dos grandes líderes da Teologia do primado de Jesus Cristo:
-Santo Antônio de Pádua (+ 1231) a nos dizer que Cristo está no centro de cada coração, no centro de todas as coisas;
- São Boaventura (+1274) a proclamar Cristo como princípio fundamental de todo conhecimento, [...] desde a investigação racional até a união contemplativa com Deus;
- João Duns Escoto (+ 8 de novembro de1308). com a sua doutrina sobre o lugar ocupado por Cristo no universo, ou seja, a doutrina do primado absoluto de Jesus Cristo (obra citada pg. 79).
Não foi sem razão que Warren G. Hansen [em livro publicado em Chicago em 1971] deu a S. Francisco o título de Patrono do meio ambiente. Francisco reinterpreta o dominai toda criatura do Gênesis (1, 27) não no sentido tradicional que, na prática, lhe deram os cristãos de usar e abusar da matéria e da vida, mas no sentido bíblico de gerir, administrar, para o bem delas e dos homens, as criaturas de Deus. Trata-se de um domínio de amor, não de escravização.“Não foi apenas a simpatia e amor pelas criaturas que moveu Francisco a escrever o Cantico do Irmão Sol, o egoísmo dos seres humanos também o motivou a fazê-lo, como esclarece o texto: Quisera [...] fazer um novo Cântico de Louvor ao Senhor pelas suas criaturas que usamos diariamente e sem as quais não poderíamos viver. Ofendendo-as, a raça humana ofende gravemente o Criador (“Espelho da Perfeição”, 100, em “Escritos de São Francisco”, Vozes, 1981, pg. 975; veja também Eric Doyle, pg. 87).
Vejamos como tudo isso se coaduna com o que escreve São Paulo aos Romanos: “Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação, de acordo com o projeto de Deus. Pois aqueles que Deus contemplou com seu amor desde sempre, a esses ele predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho, para que este seja o Primogênito numa multidão de irmãos. E aqueles que Deus predestinou, também chamou. E aos que chamou,também os tornou justos; e aos que tornou justos, também os glorificou” (Rm 8, 28-30).
Vemos aí que não foi Cristo que tomou a nossa imagem, mas nós que fomos concebidos segundo à imagem do Verbo. Assim ele é o Primogênito de todas as criaturas, as Primícias da humanidade e do universo que, por isso mesmo, se tornam seus irmãos. Esta irmandade brota do fato de Cristo no ter feito seus irmãos.
quarta-feira, 27 de julho de 2011
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